fuzil

fuzil (al. büchse; esp. fusil, rifle; fr. fusil à canon rayé; ing. rifle; it. fucile a canna rigata)

m.q. rifle.1-4

O termo fuzil, dentre algumas de suas acepções históricas, foi inicialmente associado às armas de fogo longas, portáteis e individuais, dotadas de cano de alma lisa que utilizavam focile (“pedra de fogo”) como componente do sistema de ignição5, posteriormente, na língua inglesa, passou a ser associado às armas de fogo longas de infantaria, também portáteis e individuais, providas de cano com alma raiada, sendo assim denominadas de rifle6,7, e as versões com cano de menor comprimento foram denominadas de carabina.3

Em português, a palavra fuzil tem origem do francês fusil (DELP, s.v.), a qual, por sua vez, tanto no francês (CNRTL, s.v. fusil), como no italiano “fucile” (DELI, s.v. fucile) e no espanhol fusil (DCECH, s.v. fusil), oriunda do latim *focilis (petra), i.e., “pedra de fogo”, em alusão às faíscas produzidas pelo atrito da pedra (geralmente sílex) com o componente  metálico do mecanismo de ignição da arma de fogo8.

Não obstante, o vocábulo fusil em francês e em italiano, seja na acepção histórica como na contemporânea, designa as armas de fogo longas em geral, sendo assim necessário assinalar o tipo da alma do cano; no caso das raiadas, fusil à canon rayé [fr.] e fucile a canna rigata [it.];  nas lisas, fusil à canon lisse [fr.] e fucile a canna liscia [it.]9. Contudo, em espanhol (fusil), tal como em português (fuzil), do ponto de vista técnico, na acepção moderna e contemporânea do termo,  refere-se apenas às citadas armas de fogo longas, portáteis e individuais, com cano de alma raiada. Em inglês, o termo “fusil”  inexiste no contexto técnico das armas modernas e contemporâneo, sendo registrado apenas em dicionário linguístico quando da descrição de armas históricas10, e em técnicos, quando da tradução do termo francês, italiano ou espanhol para o seu correspondente em inglês, rifle.11

Deste modo, em português, tal como em espanhol, em razão da influência anglo-americana, do ponto de vista técnico moderno e contemporâneo, na acepção das armas de fogo longas, portáteis e individuais, com cano de alma raiada, todo fuzil é um rifle.

DISCUSSÃO
I) Fuzil como um tipo de arma diferente de rifle?

TOC (p. 88-90)12 descreve rifle, no contexto contemporâneo das armas de fogo, mediante fundamentos não explicitados em seu texto, como um tipo de arma diferente de fuzil, seja pela descrição de características que supostamente os distinguem, como pela adoção de critérios diferenciativos outros, contudo, estranhos ao corpus referencial aqui citado.

Em análise ao texto de TOC (loc. cit.), é possível concluir que fuzil apresenta as seguintes características distintivas quando comparado ao rifle:

i) O fuzil utiliza munição de maior energia do que o rifle, quando versa, na definição de fuzil (op. cit., p. 90, grifo meu), que os seus projéteis disparados “[….] são dotados de alta energia e longo alcance.” , porém, nada anota quanto a tal característica na seção referente aos rifles (op. cit., p. 88-9).

ii) Não há fuzil de tiro unitário, quando descreve “[…] regimes de tiro automático, semiautomático ou de repetição” (op. cit., p. 89, grifo meu), ainda que, ao usar o termo “repetição” já incluiria ambos os regimes citados, assim, talvez, queria o autor se referir aos de repetição não automática, mediante as suas próprias definições que constam na p. 42 (op. cit.). Não obstante, claramente exclui os de tiro unitário, mas, talvez, os inclua quando da descrição do rifles, frente a existência de inúmeros exemplares, de históricos a contemporâneos, referindo-se a estes como dotados de mecanismo “manual (de corrediça, de ferrolho, de alavanca)”, ainda que o termo “manual” não apareça em sua própria classificação  das armas de fogo quanto ao funcionamento (cf. p. 37, 42, 99).

iii) Não há rifle automático, por omissão (op. cit., p. 88-9), uma vez que tal regime de disparo foi somente caracterizado para os fuzis (op. cit., p. 89).

Cabe salientar que, acerca das características descritas pelo referido autor, expostas acima nos tópicos i a iii, anota-se que:

a) Quanto ao item i, a classificação de uma arma como rifle, em distinção a outros tipos de arma, como já demonstrado, é relativa apenas ao tipo da alma do cano (raiada) e a sua dimensão longitudinal (longa),  como o próprio autor define (op. cit., p. 88, §2), desse modo, todas as demais características citadas pelo mesmo são acidentais, ou seja, não essenciais, logo, apenas descrevem variantes de um mesmo artefato, rifle.

b) Quanto ao item ii, relativa a classificação do autor pelo critério energético dos cartuchos de arma de fogo, salienta-se que esta não é clara em relação a parâmetros quantitativos, mas apenas em relação a aspectos qualitativos13, a saber, classifica-se os cartuchos para armas individuais e portáteis, em relação ao critério de energia14, em (α) cartuchos de rifle (no “limite” superior para esse tipo de arma, full-powered cartridge), (β) cartuchos intermediários (e.g. utilizados em rifle de assalto) e (γ) cartuchos de pistola. Ora, se tomarmos o aludido critério de energia adotado por TOC (p. 90) como predicado essencial para supostamente classificar uma arma como fuzil e não como rifle, como uma arma de calibre nominal .30-06 Springfield, classificada pelo autor (op. cit., p. 88) como rifle, não seria também um fuzil, se o mesmo autor usa como exemplo de fuzil uma arma de calibre nominal 7,62x51mm, ou seja, que utiliza cartucho de menor energia? O que é uma contradição quanto ao critério adotado, i.e., energia. Contudo, talvez, isso decorra de a arma exemplificada pelo autor (op. cit., p. 90) ser de regime de disparo seletivo, assim, habilitada para também produzir tiro no regime automático, regime esse que, para o autor, não se trata de uma característica pertencente aos rifles; porém, se tomarmos isso como um critério válido, por consequência, impossibilitaria utilizar o termo “rifle de assalto” (assault rifle, em inglês), já que, para o autor, não há rifle automático, como descrito acima (item iii), não obstante utilize rifles de assalto como exemplo de fuzil (op. cit., p. 93-96), todavia, não atentando que os fabricantes em suas exemplificações denominam, em seus catálogos em língua inglesa, as mesmas armas de rifle15. Como também está o autor em contradição com a norma técnica NEB/T E-268 do Exército Brasileiro, reproduzida pelo próprio autor (op. cit., p. 495 sqq.) que trata “[…] do protótipo de arma de porte (Rifle e Carabina), …”, quando a referida norma, no item 5.3, descreve a avaliação do funcionamento no regime automático para, como transcrito, os rifles e carabinas.

Desse modo, como demonstrado, seja por questões linguísticas como técnicas, no contexto moderno e contemporâneo das armas de fogo, não há razão para diferir rifle de fuzil, sendo, portanto, sinônimos, o primeiro termo de origem anglo-americana; o segundo, francesa.

NOTAS
1) Como também entende MDD (s.v), PMT (s.v.), Smith (1948, s.v. fusil (1), p. 599), na acepção anglo-americana do termo que designa as armas de fogo longas, portáteis e individuais com cano de alma raiada.

2) Em textos não especializados, a exemplo de dicionários linguísticos, na acepção das armas de fogo, a definição de “fuzil” é  registrada com notável variação, como esperado. Alguns definem em acordo ou com proximidade da raiz etimológica do vocábulo, i.e., derivada do latim, em alusão às armas de fogo longas, individuais e portáteis em geral que utilizam “pedra de fogo” (focile) no mecanismo de ignição (cf. infra cit.), como DELP (s.v.), GDLP (s.v.) e HSS (s.v.). Outros, contudo, com o fito de incorporar supostos aspectos técnicos à definição, anotam características que, quando não incorretas, restringem a descrição do artefato a aspectos construtivos pertencentes a algumas de suas variantes, tal como AUL (s.v.), que registra “arma de fogo de repetição, automática e de cano longo, semelhante a uma espingarda”, e AUR (s.v.), “arma portátil de repetição, de cano longo, cujo carregador se coloca e se retira facilmente”.

3) Cf. rifle (s.v) e carabina (s.v).

4) Quanto a historicidade e excepcionalidades referentes ao termo, cf. carabina (s.v).

5) Cf. Almirante (s.v. fusil), CNRTL (s.v. fusil), DELI (s.v. fucile), FRT (s.v. fusil), MDD (s.v. fucile), Smith (1948, s.v. fusil (1), p. 599).

6) Cf. FRT (s.v. fusil), BNT (rifle s.v.), OED (s.v. rifle), Skeat (2005, s.v. rifle), Smith (1948, s.v. fusil (2), p. 599).

7)  Em inglês, rifle é um termo genérico para as armas longas com cano de alma raiada (rifled barrel). A AFTE (s.v. rifle) e a SAAMI (s.v. rifle) definem rifle como arma de fogo de cano como alma raiada projetada para ser disparada do ombro.

8) Acerca da descrição desse tipo de arma e seus mecanismos, cf. RAB (p. 37), JJQ (p. 14 ssq.).

9) Cf. Mori (s.v. fucile).

10) O termo inglês fusil é registrado em dicionário linguístico contemporâneo quando da designação de armas de fogo históricas, como OED (s.v. fusil), um mosquete leve ou de pederneira.

11) Cf. Smith (1948, s.v. fusil (2), p. 599), Mori (s.v. fucile), BLC (s.v. fusil), BNT (s.v. rifle).

12) O autor CUN (p. 100) segue a definição de fuzil de TOC (loc. cit.), como também,  aparentemente, OLV (s.v. fuzil).

13) A literatura consultada não apresenta valores de energia para as três categorias citadas na sequência do texto, não obstante,  descreve os aspectos qualitativos dos cartuchos intermediários, i.e., as munições cujo projeto deve abarcar tanto as qualidades balísticas promovidas pelos cartuchos de rifle, como os aspectos de maneabilidade  no regime automático das armas que utilizam cartuchos de pistola, cf. JJQ (p. 23, p. 53), Jenzen-Jones et al. (2018, p. 133), Walker (2013, p. 216-7), Bull (2004, p. 25).

14) Cf. JJQ (p. 23, 53), Jenzen-Jones et al. (2018, p. 133), Walker (2013, p. 217-8), Bull (2004, p. 25).

15) Cf. IMBEL ( 2019), Taurus (2019, 2023).

 

Como citar: fuzil. In: SOUZA, Hudson C. S. de. Dicionário de Balística Forense - Edição Crítica. Disponível em https://dicionario.balistica-forense.com/fuzil/. Acesso em: 05/01/2025. eBook. ISBN: 978-65-00-77905-9.

 

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